segunda-feira, 28 de maio de 2007

VINICIUS

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO Composição:Vinicius de Moraes E o Diabo,levando-o a um alto monte,mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo.E disse-lhe o Diabo: -Dar-te-ei todo este poder e a su glória,porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto,se tu me adorares,tudo será teu. E Jesus,respondendo,disse-lhe: -Vai-te,Satanás:porque está escrito:adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. Lucas,cap.V,vs. 5-8 Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia,por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão. De fato,como podia Um operário em construção Compreender por que um tijolo Valia mais que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá,cimento e esquadria Quanto ao pão,ele o comia... Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja,à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse,eventualmente Um operário em construção. Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que,certo dia À mesa,ao cortar o pão O operário foi tomado De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa -Garrafa,prato,facão- Era ele quem os fazia Ele,um humilde operário, Um operário em construção. Olhou em torno:gamela Banco,enxerga,caldeirão Vidro,parede,janela Casa,cidade,nação! Tudo,tudo o que existia Era ele quem o fazia Ele,um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão. Ah,homens de pensamento, Não sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário Soube naquele momento! Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão Desse instante solitário Que,tal sua construção Cresceu também o operário. Cresceu em alto profundo Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia -Exercer a profissão- O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia. E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edifício em construção Que sempre dizia sim Começou a dizer não. E aprendeu a notar coisas A que não dava atenção: Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uisque do patrão Que o seu macacão de zuarte Era o terno do patrão Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão Que os seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia Era a noite do patrão Que a sua imensa fadiga Era amiga do patrão. E o operário disse:Não! E o operário fez-se forte Na sua resolução. Como era de esperar As bocas da delação Começaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão. Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação -"Convençam-no" do contrário- Disse ele sobre o operário E ao dizer isso sorria. Dia seguinte,o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado Dos homens da delação E sofreu,por destinado Sua primeira agressão. Teve o seu rosto cuspido Teve o seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse:Não! Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão Muitas outras se seguiram Muitas outras seguirão. Porém,por imprescindível Ao edifício em construção Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento Da construção que crescia. Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo vário. De sorte que o foi levando Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: -Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem bem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher. Portanto,tudo o que vês Será teu se me adorares E,ainda mais,se abandonares O que te faz dizer não. Disse,e fitou o operário Que olhava e que refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria. O operário via as casas E dentro das estruturas Via coisas,objetos Produtos,manufaturas. Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão. E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse:Não! -Loucura!-gritou o patrão Não vês o que te dou eu? -Mentira!-disse o operário Não podes dar-me o que é meu. E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado Com o medo em solidão. Um silêncio de torturas E gritos de maldição Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão. E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão. Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão De um homem pobre e esquecido Razão porém que fizera Em operário construido O operário em construçao.

5 comentários:

Anónimo disse...

É p'r'a troca?

Aí vai:

Procura-se um amigo

Procura-se um amigo.
Não precisa ser homem,
basta ser humano,
basta ter sentimento,
basta ter coração.

Precisa saber falar e calar,
sobretudo saber ouvir
o que as palavras não dizem.

Tem que gostar de poesia,
de madrugada, de pássaros,
das estrelas, do sol, da lua,
do canto dos ventos
e das canções da brisa.

Deve ter amor,
um grande amor por alguém,
ou então sentir falta de não ter esse amor.

Deve amar o próximo e respeitar a dor
que os passantes levam consigo.

Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão,
nem é imprescindível que seja de segunda mão.

Pode já ter sido enganado,
pois todos os amigos são enganados.

Não é preciso que seja puro,
nem que seja de todo impuro,
mas não deve ser vulgar.

Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e,
no caso de assim não ser,
deve sentir o grande vácuo que isso deixa.

Tem de ter ressonâncias humanas,
seu principal objectivo deve ser o de amigo.

Deve sentir pena das pessoas tristes
e compreender o imenso vazio dos solitários.

Deve gostar de crianças
e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos,
que se comova quando chamado de amigo.

Que saiba conversar de coisas simples,
de orvalhos, de grandes chuvas
e das recordações da infância.

Preciso de um amigo para não enlouquecer,
para contar o que vi de belo
e triste durante o dia,
dos anseios e das realizações,
dos sonhos e da realidade.

Deve gostar de ruas desertas,
de poças d´água e de caminhos molhados,
de beira de estrada, de mato depois da chuva,
de se deitar no capim.

Preciso de um amigo que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela,
mas porque já tenho um amigo.

Preciso de um amigo para parar de chorar.

Para não viver debruçado no passado
em busca de memórias perdidas.

Que bata nos ombros sorrindo e chorando,
mas que me chame de amigo,
para que eu tenha a consciência de que ainda vivo.

(Vinícius de Moraes)


mc

greentea disse...

NUNCA É DEMAIS RE-LEMBRAR ESTE E OUTROS POEMAS DE vINICIUS, QUE ME LEMBRO AINDA DE TER VINDO A PORTUGAL FAZER UM ULTIMO SHOW DE POESIA CANTADA....

uM ABRAÇO

aminhapele disse...

Cá estamos,amigo.
EStive a reler o SOB O TRÓPIOCO DO CÂNCER.
A ladaínha continua a comover-me.

Jorge P. Guedes disse...

Um grande homem da cultura e da boémia. Temperamento de artista e de ser humano vertical.

Cumprimentos

Tozé Franco disse...

Vinicius no seu melhor.
Um abraço.

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